quinta-feira, 18 de março de 2010

Um conto sobre diferenças de gênero...

Era o terceiro encontro de Lídia e Vasco. Ambos já sabiam de todas as devidas informações um do outro, ou, pelo menos, daquelas que ambos preferiam mostrar um para o outro. Embora tivessem conversado sobre muitas coisas a tal altura, a atmosfera entre os dois ainda sustentava um desconforto incômodo, daqueles inerentes a falta de cumplicidade natural e imediata. Fato era que muito pouco haviam se tocado, uns beijos molhados daqui, uns agarrões dali. Mas ainda não tinham se entregado a volúpia sexual. Sentados numa mesa de bar, os dois sabiam que naquela noite poderia acontecer o ato carnal e pecaminoso. Afinal de contas, era o terceiro encontro, e assim, como decidido por uma assembléia pública, sabiam que já era-lhes permitido.
Lídia se entregava com mudo desespero ao vinho, seu fiel inibidor da inibição. Na medida em que os dois ficavam embriagados a conversa fluía em sorrisos e histórias de vida. “Um inevitável ritual de acasalamento”, pensava Lídia...
Vasco de sua parte não dava tamanha importância ao ato sexual, mas sabia que existiam certas prerrogativas, certa “burocracia”. Com isso se sentia feliz por finalmente chegar ao ápice da cena.
Nesse ponto da história é preciso revelar certa peculiaridade de Lídia. A moça tinha certa dificuldade (leia-se impossibilidade) de atingir o clímax sexual sob qualquer efeito de álcool. Dito isto, podemos inferir que Lídia já vislumbrava grandes pedacinhos da sua noite.
Depois de longa noite de fingimentos e atuações, a manhã chegou, e o álcool fora embora. O mesmo clima de desconforto pairava entre ambos, e um abismo os separava. Vasco, entretanto, estampava no rosto um ar de dever cumprido, melhor, de quem suplantara todas as expectativas. Sustentava um orgulhoso ar de garanhão.
Lídia, muito embora tentasse disfarçar com vários sorrisos pálidos e comentários aleatórios, tinha encostada sobre sua alma a sombra da decepção. A origem de qualquer dos seus sentimentos não estava em ter dormido com um total estranho, e agora percebia, que por cem encontros que tivesse com Vasco ele nunca passaria disso, um total e completo estranho. Sentia-se violada, mostrara seu corpo nu em pelo a um total estranho, todas as suas curvas foram reveladas. O mundo físico claramente não estava nem de longe em acordo com o mental. Lídia sentia-se como quem tivesse se vendido barato, afinal, nem um mísero orgasmo tivera, o que, se tivesse ocorrido, com certeza mudaria seu sentimento em relação a tudo aquilo. Tudo que sabia era que nunca mais queria sentir aquele sentimento novamente, um cruel sentimento de vazio interno.
Na despedida matinal, Lídia virou-se para Vasco, no carro, e apenas proferiu laconicamente essas palavras: “Adeus, não me ligue mais”.


fim.


[Por mim mesma, K.]

Um comentário:

Adriano Ninja disse...

Uhuuuuuu!!! Pé na bunda do Vasco.
Alerta de utilidade pública: "Se beber não transe." Pode acabar sendo foda.