quinta-feira, 24 de junho de 2010

Uma pergunta simples: como podemos (efetivamente) mudar o mundo, fazer com que ele seja bom para todos?

Bah, essa pergunta não exatamente simples, mas enfim...
Acho que o mais efetivo é vivermos nós, no nosso cotidiano da maneira mais humana e coletiva possível, nos enxergarmos, cada um de nós, como parte de um todo. E isso eu digo nos mínimos detalhes: não atropelar as pessoas ao entrar ou sair do trem, não bater nas pessoas na rua, respeitar o outro, a vida em si. Princípios básicos de humanidade e coletividade.
É no que acredito, e é o que está ao meu alcance, como pessoa. Conforme vamos deixando a responsabilidade para grandes atos heróicos, cada vez mais a esfera de mudança se distancia de nós.

Ask me anything

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago...


“(...) afinal a ausência é também uma morte, a única e importante diferença é a esperança”. 
(SARAMAGO, 1991) 

sexta-feira, 4 de junho de 2010

música, para quê te quero...



— Bem, na minha opinião não há nenhum sentido em falar-se a respeito de música. Nunca falo sobre isto. Que responder, então, às suas observações eruditas e judiciosas? O senhor tem toda a razão naquilo que afirma. Mas, veja, eu sou um músico, não um erudito, e no que diz respeito à música acho que não há a menor importância em estar alguém com a razão. A música não depende de estarmos com razão, de termos bom gosto ou erudição musical e tudo o mais.
— Ah, não? E de que depende então?
— De se fazer música, Sr. Haller, de se fazer música tão boa e tão abundante quanto possível e com toda a intensidade de que alguém é capaz. Aí é que está a coisa, Monsieur. Ainda que eu tivesse na memória toda a obra de Bach e de Haydn e pudesse dizer as coisas mais admiráveis a respeito delas, isto não teria a menor utilidade para os outros. Mas quando tomo meu instrumento e toco um shitnmy bem movimentado, seja este bom ou mau, há de causar alegria a alguém, entrará pelas pernas e até chegará ao sangue. Isto e somente isto é o que importa. Observe a fisionomia dos pares num salão de dança no momento em que a música volta a tocar após uma pausa prolongada, observe como os olhos brilham, como as pernas se movem e os rostos começam a sorrir. É por isso que se faz música.
— Muito bem, Sr. Pablo. Mas não é só a música sensual que existe, existe também a espiritual. Além daquela música que se executa no momento, existe a música imortal que sobrevive mesmo quando já não é interpretada. Pode estar uma pessoa sozinha deitada e vir lhe ao pensamento um trecho da Flauta Mágica ou da Paixão Segundo Mateus, então a música se faz realidade sem que alguém precise de soprar a flauta ou de arranhar o violino.
— Sem dúvida, Sr. Haller. Também o Yearning Valencia são reproduzidos cada noite por muitas pessoas solitárias e sonhadoras; até a mais humilde datilografa tem na cabeça, quando está no escritório, os ritmos do último one-step e acompanha no teclado o seu compasso. O senhor tem razão. A todas essas pessoas solitárias eu concedo a música muda, seja ela o Yearning, seja a Flauta Mágica ou Valencia. Mas, de onde recebem, porém, esses homens a música solitária e muda? Recebem-na de nós, dos músicos, pois primeiro ela tem de ser executada e ouvida e penetrar no sangue, antes que alguém possa pensar nela sozinho em seu quarto e com ela sonhar.
— De acordo — disse friamente. — No entanto, não se pode colocar no mesmo plano a música de Mozart e o último foxtrote. E não é a mesma coisa servir ao público música divina e eterna ou música barata e efêmera.
Quando Pablo percebeu a excitação de minha voz, assumiu a expressão facial mais amável, tocou-me o braço e falou com incrível doçura:
— Ah! meu caro senhor, nisto dos planos pode ser que o senhor tenha toda a razão.
Nada tenho a objetar que coloque Mozart, Haydn e Valentia no plano que melhor lhe agrade. A mim pouco importa. Nada tenho de decidir sobre tais planos, nunca me perguntaram nada sobre eles. É possível que continuem a executar Mozart daqui a cem anos e talvez daqui a dois anos já nenhuma orquestra toqueValencia, mas isso podemos deixar tranqüilamente nas mãos de Deus. Ele é justo e tem em suas mãos a duração da vida de todos nós, até mesmo de cada valsa e de cada foxtrote. Ele saberá fazer o que é justo. Mas nós os músicos temos de fazer a nossa parte, o que é nosso dever e nosso ofício: devemos tocar o que o público pede no momento e devemos fazê-lo bem e de maneira bela e tocar com todo o entusiasmo possível.
Suspirando, assenti também a isto. Não havia jeito de enquadrar o homem. (HESSE, 1927)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Carta...


Você tem razão. Foi desprezível o modo que o deixei. Pior, foi covardia. Prometo que, quando nos encontrarmos novamente, vou deixá-lo dizer tudo que tem a dizer.
Eu tenho uma teoria sobre Rembrandt. Passei muitas horas estudando seus quadros em todas as partes do mundo – em Amsterdã, Chicago, Nova York, nos lugares em que eles estão – e como eu disse, acredito que tantas almas tão perfeitas não poderiam ter existido como Rembrandt nos quer fazer acreditar.
Esta é a minha teoria e por favor, quando ler esta carta, lembre-se de que ela acomoda todos os elementos envolvidos. E essa acomodação era outrora a medida da elegância das teorias... antes da palavra “ciência” passar a significar o que significa hoje.
Acredito que Rembrandt vendeu a alma ao demônio quando era jovem. Foi um negócio simples. O demônio prometeu que ele seria o pintor mais famoso do seu tempo. O demônio enviou milhares de mortais para que Rembrandt os retratasse. Deu riqueza a Rembrandt, uma casa encantadora em Amsterdã, uma esposa e mais tarde uma amante, porque estava certo de que teria sua alma, no fim.
Mas o encontro com o demônio provocou uma mudança em Rembrandt. Depois de ver a prova inegável do mal, passou a ser atormentado pela seguinte pergunta. O que é o bem? Procurava nos rostos dos seus modelos a divindade interior e com surpresa viu que era capaz de encontrar uma fagulha dessa divindade nos homens mais desprezíveis.
Seu talento era tal que – e por favor, compreenda, o demônio não conferiu a Rembrandt nenhuma habilidade artística; ele possuía naturalmente esse talento – não só podia ver a bondade, como também podia reproduzi-la na tela, podia fazer com que seu conhecimento e sua fé nessa bondade impregnasse o todo.
A cada retrato ele compreendia mais profundamente a graça e a bondade que existiam nos homens. Compreendia a potencialidade de compaixão e de sabedoria que existe em cada alma humana. Sua arte foi se aperfeiçoando à medida que trabalhava; o vislumbre do infinito tornava-se cada vez mais sutil, a pessoa cada vez mais particular e mais grandioso e mais sereno o todo.
Finalmente, os rostos pintados por Rembrandt não eram mais rostos de carne e osso. Eram expressões espirituais, retratos do que havia no interior do corpo do homem ou da mulher, visões do que cada pessoa era no seu momento de maior grandeza, do que cada um havia se tornado a partir daquele momento.
Por isso os homens da associação dos mercadores de tecidos parecem todos com os mais antigos e mais sábios santos de Deus.
Porém em nenhum outro lugar essa intensidade espiritual manifesta-se com maior clareza do que nos auto-retratos de Rembrandt. E certamente você sabe que ele nos deixou nada menos do que vinte e dois.
Por que acha que Rembrandt fez tantos auto-retratos? Eram uma súplica para que Deus notasse o progresso deste homem que, observando outros iguais a ele, sofrera uma intensa transformação religiosa. “Esta é a minha visão do homem”, disse Rembrandt a Deus.
Quando Rembrandt chegava ao fim da sua vida, o demônio começou a ter suspeitas. Não queria que seu escravo criasse obras tão magníficas, tão repletas de calor e bondade. Acreditava que o povo holandês era materialista, portanto voltado para as coisas terrenas. E ali, nos quadros onde apareciam ricas roupas e objetos de valor, cintilava a prova inegável de que os seres humanos são completamente diferentes de qualquer outro animal do cosmo – são uma combinação preciosa de carne e chama imortal.
Bem, Rembrandt suportou todos os tormentos inventados pelo demônio. Perdeu a bela casa na Jodenbreestraat. Perdeu a amante e, por fim, até o filho. Contudo continuou a pintar, sem nenhuma demonstração de amargura ou de perversidade, continuou a infundir o amor nas suas obras.
Finalmente estava no seu leito de morte. O demônio cabriolava de alegria, pronto para apanhar a alma de Rembrandt e apertá-la entre os dedos do mal. Mas os anjos e os santos imploraram a intervenção de Deus.
“No mundo inteiro, quem conhece melhor a bondade?” Eles perguntaram, apontando para Rembrandt que agonizava. “Quem mostrou mais do que este pintor? Olhamos para seus retratos quando queremos saber o que há de divino no homem.”
Então Deus desfez o acordo entre Rembrandt e o demônio. Tomou para si a alma do pintor e o demônio, recentemente roubado da alma de Fausto pela mesma razão, ficou louco de raiva.
Bem, ele enterraria na obscuridade a vida de Rembrandt. Providenciaria para que todos os bens pessoais daquele homem e todos os registros sobre sua vida fossem engolidos pela corrente do tempo. Por isso pouco sabemos sobre a verdadeira vida de Rembrandt, ou que tipo de homem ele era.
Mas o demônio  não pôde controlar o destino dos seus quadros. Por mais que tentasse, não conseguiu fazer com que fossem queimados, jogados fora ou postos de lado para dar lugar aos artistas mais novos. Na verdade, aconteceu uma coisa muito curiosa, aparentemente de origem desconhecida. Rembrandt tornou-se o mais admirado pintor que já existiu. Rembrandt veio a ser o maior pintor de todos os tempos.
Essa é a minha teoria sobre Rembrandt e aqueles rostos.
Agora, se eu fosse mortal, escreveria um romance sobre Rembrandt com esse tema. Mas não sou mortal. Não posso salvar a minha alma através da arte ou de Boas Obras. Sou uma criatura igual ao demônio, com uma diferença. Eu amo os quadros de Rembrandt!
Mas olhar para eles me parte o coração. Meu coração se partiu quando vi você no museu. E tem razão quando diz que não há vampiros com rostos iguais aos dos santos da associação dos mercadores de tecidos.
Por isso eu o deixei daquele modo no museu. Não foi com a raiva do demônio. Apenas com mágoa.
Outra vez prometo que, no nosso próximo encontro, eu o deixarei dizer tudo que tem para dizer.



.

Lestat
.