quarta-feira, 25 de julho de 2012

Supermoscas e superguerreiros fanáticos.

Um dos maiores benfeitores de todas as formas de vida foi um homem que não conseguia se concentrar em qualquer trabalho que estivesse fazendo.
Foi brilhante?
Certamente.
Foi um dos maiores engenheiros genéticos de sua geração ou de qualquer outra, inclusive várias que ele mesmo projetou?
Sem dúvida.
Então, quando o seu mundo se viu ameaçado por invasores terríveis de uma estrela distante, que ainda estavam muito longe, mas viajavam bem rápido, foi conduzido a um lugar onde pudesse ficar completamente isolado, protegido pelos mestres de sua raça, com instruções para criar uma linhagem de superguerreiros fanáticos, prontos para resistir e para derrotar os temidos invasores. Ele tinha que criá-los o mais rápido possível e disseram-lhe: "Concentre-se!"
Então ele se sentou próximo a uma janela e contemplou um jardim em pleno verão e projetou, projetou e projetou, mas, inevitavelmente, distraiu-se um pouco com outras coisas e, quando os invasores já estavam praticamente em órbita em torno deles, inventou uma nova raça de supermoscas que podiam descobrir, por conta própria, como voar pela metade aberta de uma janela entreaberta e também um interruptor para desligar crianças. As comemorações dessas incríveis descobertas pareciam fadadas a durar muito pouco, porque o desastre era iminente — as naves espaciais já estavam pousando. Mas, para a surpresa de todos, os temíveis invasores, que, como a maioria das raças beligerantes, só estavam comprando briga com os outros porque não sabiam lidar com seus problemas domésticos, ficaram tão impressionados com as invenções extraordinárias que decidiram participar das comemorações e foram imediatamente persuadidos a assinarem uma série de acordos comerciais abrangentes e a instituírem um programa de intercâmbio cultural. E, em uma surpreendente inversão da prática tradicional na conduta desses assuntos, todos os envolvidos viveram felizes para sempre.

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[Douglas Adams. Até logo, e obrigado pelos peixes, 1984]

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O horário de almoço é uma ilusão.


Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.
Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande idéia.
Este planeta tem – ou melhor, tinha – o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.
E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.
Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.

[Douglas Adams. Até mais, e obrigado pelos peixes] 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre a arte de voar.


O Guia do Mochileiro das Galáxias diz o seguinte a respeito de voar: 
Há toda uma arte, ele diz, ou melhor, um jeitinho para voar. O jeitinho consiste em aprender como se jogar no chão e errar. Encontre um belo dia, ele sugere, e experimente. A primeira parte é fácil. Ela requer apenas a habilidade de se jogar para a frente, com todo seu peso, e o desprendimento para não se preocupar com o fato de que vai doer. Ou melhor, vai doer se você deixar de errar o chão. 
Muitas pessoas deixam de errar o chão e, se estiverem praticando da forma correta, o mais provável é que vão deixar de errar com muita força. Claramente,  é  o  segundo  ponto,  que  diz  respeito  a  errar,  que  representa  a  maior dificuldade.
Um dos problemas é que você precisa errar o chão acidentalmente. Não adianta tentar errar o chão de forma deliberada, porque você não irá conseguir. É preciso que sua atenção seja subitamente desviada por outra coisa quando você está a meio caminho, de forma que você não pense mais a respeito de estar caindo, ou a respeito do chão, ou sobre o quanto isso tudo irá doer se você deixar de errar. É reconhecidamente difícil remover sua atenção dessas três coisas durante a fração de segundo que você tem à sua disposição. O que explica por que muitas pessoas fracassam, bem como a eventual desilusão com esse esporte divertido e espetacular.
Contudo, se você tiver a sorte de ficar completamente distraído no momento crucial,  então,  em  sua  perplexidade,  você  irá  errar  o  chão completamente e ficará flutuando a poucos centímetros dele, de uma forma que irá parecer ligeiramente tola. 
Esse é o momento para uma sublime e delicada concentração. Balance e flutue, flutue e balance. Ignore todas as considerações a respeito de seu próprio peso e simplesmente deixe-se flutuar mais alto. Não ouça nada que possam dizer nesse momento porque dificilmente seria algo de útil. Provavelmente dirão algo como: "Meu Deus, você não pode estar voando!" É de vital importância que você não acredite nisso: do contrário, subitamente estará certo. 
Flutue cada vez mais alto. Tente alguns mergulhos, bem devagar no início, depois deixe-se levar para cima das árvores, sempre respirando pausadamente. 
NÃO ACENE PARA NINGUÉM. 
Quando você já  tiver  repetido  isso  algumas  vezes,  perceberá  que  o  momento  da distração logo se torna cada vez mais fácil de atingir. Você pode, então, aprender diversas  coisas  sobre  como  controlar  seu  voo,  sua velocidade, como manobrar, etc. O truque está sempre em não pensar muito a fundo naquilo que você quer fazer. Apenas deixe que aconteça, como se fosse algo perfeitamente natural.


[Douglas Adams. A Vida, o Universo e Tudo Mais]

Uma análise de Deus.


- O Jardim do Éden. A árvore. A maçã. Essa parte, lembra? O tal de Deus põe uma macieira no meio de um jardim e diz “vocês dois podem fazer o que vocês quiserem aqui, mas não comam essa maça”. Obviamente eles comem a maçã, então Deus pula de trás de uma moita gritando: “Peguei vocês, peguei vocês!” Não faria a menor diferença se eles não tivessem comido a maçã.
- Por que não?
- Olha, quando você está lidando com alguém que tem esse tipo de mentalidade – mais ou menos a mesma das pessoas que deixam um chapéu na calçada com um tijolo embaixo para os outros chutarem -, pode ter certeza de que ele não vai desistir. Ela vai acabar te pegando.

(Douglas Adams. O restaurante no Fim do Universo)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Essa história me parece familiar...


     "Há muitos anos este era um planeta próspero e feliz; pessoas, cidades, lojas, um mundo normal. Exceto pelo fato de que nas ruas altas dessas cidades havia mais sapatarias do que se creria necessário. E lentamente, insidiosamente, o número dessas sapatarias ia aumentando. É um fenômeno econômico bastante conhecido, mas trágico de se ver em operação, pois quanto mais sapatarias havia, mais sapatos tinham que ser feitos, e piores e mais imprestáveis iam ficando esses sapatos. E quanto piores ficavam, mais as pessoas tinham que comprar para se manterem calçadas, e mais as sapatarias proliferavam, até que toda a economia do lugar passou pelo que creio que foi chamado de Advento da Era do Sapato, e não foi mais possível economicamente construir qualquer outra coisa que não fosse sapataria. Resultado: colapso, ruína e fome. A maioria da população pereceu. Aqueles poucos que tinham o tipo certo de instabilidade genética transformaram-se por mutações em pássaros — você viu um deles — que amaldiçoaram seus pés, amaldiçoaram o chão e juraram que ninguém mais pisaria nele. Bando infeliz." 




(O restaurante do fim do Universo. Douglas Adams, 1980.)


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