quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Motoristas de merda...

     Tenho ressalvas quanto aos sinais de trânsito, os luminosos em particular. Sempre confio mais em mim, na minha atenção. Olho para todos os lados, todas as direções possíveis. Ando muito pela rua, em Porto Alegre ainda, cidade de trânsito maluco, de motoristas malucos. Antes de atravessar sempre confirmo meu passo acertado. Vejo cada absurdo por essas ruas - mais ainda depois que comecei a dirigir - que não poderia agir diferente. Vemos todos os dias verdadeiras selvagerias no trânsito, o que vai em total prejuízo de qualquer pretensa civilidade que nós humanos queiramos professar.
     Tenho que dizer, contudo, que talvez o que mais me motive a ter atenção redobrada seja a recusa absoluta de ser morta por um imbecil qualquer, por uma estupidez alheia. Me resigno a morrer por erro próprio, mas morrer por causa de uma besta irracional? Não, me recuso. Morrer por causa de alguém que nem sequer respeita o meio em que vive? Nem sequer respeita a vida que corre nas veias urbanas? Me recuso a morrer assim, morrerei sob mil outras circunstâncias, mas não sob esta. Me recuso!


[Por mim mesma, K.]

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Peripécias de Luíza Lopes

          Aos 17 anos Karina ganhou uma irmã. Filha única até então, não haveria de poder conceber quão forte é o laço entre irmãos. Concebeu-o então, sentiu-o então. E chorou no hospital ao pegar aquela coisinha minúscula, com perninhas compridas e finas e cabeleira negra e generosa.
            Não imaginava, Karina, que com tanto amor, também viessem tantas dúvidas, principalmente no tocante à criação e desenvolvimento de uma criança. E não imaginava também, Karina, o quanto isso a preocuparia de forma latente.
          A pequena Luíza - que é como se chama a coisinha aquela do hospital – está às vésperas de completar 8 anos de idade. É uma pessoinha, pois, em construção, mas já uma pessoinha.
            Explica-me ao telefone, como estará ocupada no final de semana, que será cheio de festinhas de amiguinhas, e de passeios do colégio, e que por conta da agenda atribulada não poderá visitar a irmã mais velha, Karina. A irmã mais velha entende, mas não consegue deixar de sentir certa fisgada no peito, um certo despeito talvez, por ser preterida.
            Mas a despeito de qualquer despeito burro e mesquinho – inerente a todos os humanos – Karina sentiu algo mais. Percebeu de fato a pessoinha Luíza, construindo sua vidinha, suas relações, sua rede de contatos e experiências, e se viu, subitamente, relegada a um plano secundário.
            E isso é bom. Isso é incrivelmente bom. Karina se sente presenciando o construir de uma vida. E tudo bem que não é mais a heroína da irmã, tudo bem. Karina se sente feliz. É como se Luíza deixasse de habitar um único plano virtual, no qual ela é parte de algo, para desenvolver um plano só dela, feito por ela.
            Karina enruga a testa quando Luíza pede um cd do Justin Bieber e se vê numa encruzilhada. Não quer magoar a pequena com argumentos egoístas que a pobrezinha nem mesmo ainda pode articular. Não quer gastar o pouco tempo de que dispõe ao lado da irmã amada tentando convencê-la, numa teimosia inócua e tola, de que o Justin Bieber é um grande bobalhão. Ela não vai concordar. É Karina contra um arsenal televisivo e cultural gigantesco. O que acontecerá, sim, é aquele olhar triste, magoado, pidão e envergonhado. E causar isso é crueldade, das mais injustificadas!
            Karina lembra que em outros tempos já gostou do “É o tchan”, e se dá conta que isso não foi fator relevante na construção da sua personalidade adulta. Decide então por gravar os CDs. Gravados os CDs do Justin Bieber, – que, pasmem, já são dois – Karina os leva para Luíza, na expectativa de ver os olhinhos dela brilharem quando os vir. Inevitavelmente é o que ocorre. E os olhos de Karina também brilham ao ver a irmã tão feliz. E nada mais tem a ver com Justin Bieber, com cultura de massa, com má influência. Tem a ver unicamente com o amor fraterno e com o desejo sincero de felicidade do outro, no caso, da pequena Luíza.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

bons tempos em que os meus desodorantes eram microfones...

        Pensando por esses dias percebi, uma vez mais, como a gente cresce sem notar, ou melhor, como a gente muda sem notar. A gente muda, assim, tão lentamente que é capaz de afirmar categoricamente que nunca vai mudar. Mas sempre chega um momento, por mais que se teime, em que se admite mudar, se admite e se fica feliz por mudar. Mudanças mudas, sorrateiras e profundas, a todo o momento estão acontecendo dentro de cada um de nós. É como a renovação das células mortas do nosso corpo, é como os fios de cabelo que não fazem barulho algum ao se espicharem em nossas cabeças. 
      Assim, num dia qualquer, simplesmente percebemos que já não cantamos mais na frente do espelho com o desodorante fazendo vezes de microfone, dublando loucamente aquela música preferida. Simplesmente já não nos lembramos de o fazer, simplesmente já não nos interessa mais, simplesmente já não nos sobra tempo para o fazer, ou se sobra, o dispendemos em outras coisas que nos interessam mais no momento - No momento... no momento... momento...


[Por mim mesma, K.]

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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Amor.

Existem três fontes de atração
No amor dos seres humanos;
São elas o espírito, a mente e o corpo.

A mútua atração dos espíritos
Gera a amizade.

A mútua atração das mentes
Gera o respeito.

A mútua atração dos corpos
Gera o desejo.

E a combinação das três
Gera o amor.

[Verso indiano dos Upanixades. Em: VASSILCHENKO, 1977]

Em consonância com seu uso da teoria geral dos sistemas, Vassilchenko definiu o amor como "um sistema dinâmico complexo, baseado na intelectualidade, emoções e no poder do desejo", e observou que o mesmo consiste de uma multidão de variáveis. Em contraste aos sentimentos temporários de desejo, os sentimentos profundos do "verdadeiro" amor permitem que o relacionamento seja de realização e de totalidade. No "verdadeiro" amor, o indivíduo freqüentemente nega as necessidades do ego pessoal e transforma-se através da união com o outro. [Em KRIPPNER, 1980]

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