sábado, 27 de setembro de 2008

O buraco do espelho. Arnaldo Antunes.

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Hipocrisias à parte.

...
Sabemos que a dor de quem é deixado é maior do que a dor de quem deixa.
A dor de deixar é uma dor falsa, que se pensa dever sentir,
Essa dor de quem deixa é muito mais um remorso
por não sentir dor nenhuma.
...


[Por mim mesma, K.]

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Evoluindo????

A repugnância toma conta de mim. Oras bolas! Que será que se passa nessas cabeças grandes, desajeitadas e indiscretas?
Os ambientes públicos me têm incutido reflexão deveras. Ônibus, trem, mercados, passeios. Entre bocejos fedorentos, axilas purulentas, espirros desprotegidos, tosses tísicas e gargalhadas espalhafatosas a elegância tem morado. Oras bolas!
A mocinha do perfume exagerado, do sapato finíssimo, dos brilhos e penduricalhos é a mesma que sai passando por cima de todo mundo na saída do metrô. Que vida desesperada, que vida sem vida. Mas com muito BRILHO!
Eu ainda hei de entender o porquê de tanta bolsa dessas mulheres charmosas! É muita bolsa. Pastinhas, bolsas enormes, maletinhas, cordinhas. Percebe-se que as necessidades variam muito. Gostaria de saber onde é que elas colocavam tudo isso quando a moda era bolsa pequenina, aquelas minúsculas que se perdiam no sovaco. Agora, porém carregam o quarto dentro dessas bolsas que mais parecem lona de circo amarrada... e as cores, parecem vindas direto do espaço. E aí vem o resto todo que tem de combinar, o calçado, o cinto, etc. E aí, haja saco, e claro, haja dinheiro. Como a gente precisa de mais dinheiro pra comprar tanta roupa, nada mais natural do que esmagar todo mundo na saída do metrô pra chegar antes naquela oportunidade. No final de semana a gente pode fingir ser civilizado, ir a um bar, ensaiar os rituais de acasalamento e usar aquela roupa nova.
Que maldita fineza hein?! Que elegância comprada e fajuta. Gritos, andares cambaleantes daquilo que mais se assemelha a uma manada (acho até que as manadas devem ser mais organizadas que o ser humano). Aquilo que o ser humano poderia ter se tornado não passa de um fantasma idealizado, um vulto que passa, vez que outra, diante da gente.


[Por mim mesma, K.]

O último discurso


"- Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
- Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!."


Charles Chaplin. O grande ditador.