Vasco então disse que achava essas histórias de farroupilhismos e bravatas e gauchismos muito engraçadas e ridículas. Respondi que não havia nada de engraçado nem ridículo e que os meninos precisavam conhecer a História da sua terra. Eu devia ter ficado calada, porque Vasco se pôs sério de repente e começou a falar, a falar, a falar, despejando um verdadeiro discurso em cima de mim. Demos mais de dez voltas ao redor da praça e o Gato do Mato, sempre falando. Disse que era muito malfeito ensinar às crianças que guerras e revoluções são coisas bonitas, que os heróis são só os generais e os soldados que matam. Disse que enquanto nós professoras ensinarmos na escola que foram os brasileiros que ganharam a batalha do Passo do Rosário, que o Brasil é mais corajoso, mais belo e mais adiantado que a Argentina ou do que o Chile – não poderá haver paz. Disse mais que as crianças vão se criando acostumadas a ouvir elogios à guerra e aos guerreiros e acabam achando que matar é a coisa mais natural e necessária deste mundo.
Quando ele parou um instante para tomar fôlego, eu aproveitei a pausa e disse que os meninos deviam aprender a amar a Pátria. Quando falei em Pátria, Vasco ficou aceso de novo e disse que essa idéia de pátria que nós temos é uma bobagem, que todos os homens são irmãos, são iguais e que por falarem línguas diferentes, terem olhos e cabelos de cor diversa não quer dizer que devam andar se estripando em guerras. [...] Disse que as guerras que nós pensamos que rebentam por causa do famoso patriotismo, são geralmente provocadas pelos vendedores de armamentos e por outros grandes negociantes que podem irar partido das bagunças internacionais. p. 202
[VERÍSSIMO, Érico. Clarissa. 38ª edição. São Paulo: Globo, 1995. 240 p.]
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